Vacinas para COVID-19: percepção de um nordestino esperançoso

Eduardo Jorge da Fonseca Lima

Coordenador da Pós-Graduação Lato Sensu do IMIP; Vice-Presidente da Sociedade de Pediatria de Pernambuco; Membro do Comitê de Imunização da Sociedade Brasileira de Pediatria; Representante da Regional Pernambuco da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm); Professor da Faculdade Pernambucana de Saúde e Conselheiro do CREMEPE.

O mundo assiste atônito, nestes primeiros meses de 2020, à mais grave crise em saúde nos últimos cem anos causada por um novo vírus, o SARS-CoV-2. A falta de um tratamento específico, validado com estudos bem controlados, fez com que as vacinas fossem a esperança mais promissora e ansiosamente esperadas. Uma vacina eficaz será crucial para acabar com a pandemia, que já adoeceu cerca de seis milhões em todo o mundo e matou pelo menos 350 mil pessoas. A garantia de imunidade nos permitirá menor preocupação com o distanciamento social e todas as suas implicações.

A sequência genética do vírus divulgada em 11 de janeiro desencadeou intensa atividade global de pesquisa para desenvolver uma vacina contra a doença. A escala do impacto humanitário e econômico da pandemia de COVID-19 impulsionou a utilização de novas  plataformas de tecnologia de vacina para acelerar as pesquisas, e a primeira candidata a uma  vacina entrou em testes clínicos em humanos em meados de março com  uma rapidez sem precedentes.

Pela velocidade das pesquisas há possibilidade de que as vacinas possam estar disponíveis, de forma emergencial, até o início de 2021. Caso isto realmente aconteça, será o programa de desenvolvimento de vacinas mais rápido já visto na história. Representará uma mudança fundamental na trajetória tradicional de liberação de vacinas, que levam em média mais de 10 anos para sua implementação. Além disso, novos paradigmas serão necessários, envolvendo adaptações nas fases de desenvolvimento, processos regulatórios e capacidade de fabricação em escala.

Reduzir todo o processo de produção vacinal a um período de 12 a 18 meses é realmente inédito. Mas será tudo isso possível sem que haja prejuízo da efetividade e segurança adequadas?

Cerca de 123 equipes de pesquisa em todo o mundo estão estudando o vírus por vários ângulos para a elaboração das vacinas. Programas de desenvolvimento de vacinas  são continuadamente atualizados pela OMS, com projetos identificados a partir de fontes públicas e privadas.

Várias tecnologias estão sendo avaliadas, incluindo ácido nucleico (DNA e RNA), VLP (partícula semelhante a vírus – tecnologia utilizada na vacina HPV), uso de vetores virais (replicante e não replicante) e as vacinas de tecnologia  tradicional, como as de  proteína recombinante,  vírus inativados e vacinas de vírus vivo atenuado. Algumas dessas plataformas nunca foram utilizadas nas vacinas atualmente licenciadas, mas possuem experiência em áreas como a oncologia e, assim, surgem novas oportunidades de produção de vacinas, com maior velocidade de fabricação.  Entretanto, este processo, como tudo que é novo e não testado, requer cautela, para não oferecer falsas esperanças em um momento tão difícil para a humanidade.

A maioria de todas as vacinas estudadas para a COVID-19 visa induzir anticorpos neutralizantes contra a proteína Spike (S), impedindo assim captação do vírus pelo receptor ACE2 humano. Não está claro como as variantes da proteína S utilizadas em diferentes candidatas à vacina se relacionam entre si ou com a epidemiologia genômica da doença. Devemos depositar nossas esperanças nesta única proteína?

Os vírus podem desafiar os fabricantes de vacinas, mudando rapidamente para que os anticorpos que atuam em uma cepa viral, falhem em outra. Felizmente, o novo coronavírus parece não sofrer grandes alterações, portanto uma vacina que se mostre eficaz deverá provavelmente funcionar em qualquer país. Isso não significa, porém, que este risco está descartado, devendo-se manter também a necessária cautela em relação a este aspecto.

Os cientistas estão cada vez mais otimistas de que uma vacina pode ser produzida em tempo recorde. Mas fabricá-la e distribuí-la são outros enormes desafios. As duas vacinas em fases mais adiantadas estão nos Estados Unidos e na Europa. O laboratório americano Moderna iniciou o teste clínico de sua vacina baseada em RNA mensageiro (mRNA-1273) apenas dois meses após a identificação da sequência do vírus e já publicou resultados encorajadores de fase 1 de pesquisa em voluntários humanos. Vacinas baseadas em vetores virais estão em desenvolvimento na Universidade de Oxford, na Inglaterra, em parceria com o laboratório AstraZeneca, prometendo a indução de fortes respostas imunes. Inicialmente os pesquisadores de Oxford declararam que poderiam ter uma vacina pronta para uso emergencial a partir de setembro de 2020. Ambos os centros de pesquisa iniciaram os estudos de fases 2 e 3 e afirmam acelerar estes resultados. É importante ressaltar que a desejada rapidez nestes resultados não ocorra em detrimento da pesquisa científica de qualidade.

Outras dez empresas fabricantes estão, também, em estágios avançados de pesquisa. O laboratório CanSino Biologics (China) divulgou recentemente seus estudos de fase 1, demonstrando resultados promissores após 28 dias de testes com 108 voluntários saudáveis. Na Alemanha e nos EUA, o laboratório Pzifer, em associação com a empresa alemã BioNTech, está conduzindo estudos de fase 1 e 2 na mesma plataforma de RNA mensageiro e acredita que ainda este ano terão vacinas produzidas. O laboratório Americano Johnson & Johnson promete vacinas para o próximo ano e,  por fim,  em uma colaboração  inédita, dois  dos maiores produtores de vacinas do mundo,  os laboratórios Sanofi Pasteur (França) e o GlaxoSmithKline (GSK – Reino Unido), unem forças para a produção  de uma vacina de unidade proteica, com início em breve de seus estudos de fase 2 e 3. As demais empresas não mencionadas são quatro chinesas (pesquisando vacinas inativadas) e duas americanas (unidade de proteína e DNA).

A OMS fez uma proposta à União Europeia recomendando um pool voluntário de patentes, o que pressionaria as empresas a desistirem de seus monopólios das vacinas que desenvolveram.

A Oxfam, uma instituição de caridade internacional, publicou uma carta aberta a 140 líderes mundiais e especialistas pedindo uma “vacina do povo”, que seja “disponibilizada gratuitamente para todas as pessoas, em todos os países”. Helen Clark, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, que também assinou a carta, comentou que “as vacinas contra a COVID-19 precisam ser um bem público e não estamos seguros até que todos estejam seguros”.

Pesquisadores experientes em vacinas preocupam-se com o fato de que, em meio ao desejo de pôr um fim à pandemia da COVID-19, os produtores de vacinas tenham se entusiasmado demais com as chances de seus produtos funcionarem.

Várias outras empresas de vacinas emitiram declarações com um olhar mais realístico, estabelecendo possíveis cronogramas para a conclusão dos estudos em 2021. Recentemente, a Universidade de Oxford recuou um pouco de seu “otimismo” inicial, já que não há evidências sólidas de que a vacina estará realmente disponível antes do fim do ano.

Outro aspecto fundamental é o perfil dos desenvolvedores de vacinas. Enquanto 72% dos candidatos confirmados à vacina estão sendo desenvolvidos por empresas privadas, apenas 28% dos projetos são liderados por universidades, setor público e outras organizações sem fins lucrativos. Além disso, embora vários desenvolvedores sejam multinacionais com grande experiência em vacinas, muitos dos principais grupos da vacina COVID-19 são pequenos e / ou inexperientes na fabricação de vacinas em larga escala. Portanto, teremos realmente garantia de produção que permita o acesso a toda a população?

As principais pesquisas ativas de vacinas para a COVID-19 estão distribuídas em 19 países, que representam coletivamente mais de três quartos da população global. A América do Norte é responsável por 46% das pesquisas, sendo seguida pela China, Ásia (excluindo a China), Austrália e Europa, com 18% de participação cada. No entanto, atualmente, há pouco envolvimento e recursos alocados nas pesquisas de vacinas na África e na América Latina.

Não restam dúvidas que será necessária uma forte coordenação e cooperação internacional entre pesquisadores, reguladores, formuladores de políticas, financiadores, órgãos de saúde pública e governos para garantir que as vacinas promissoras possam ser fabricadas em quantidades suficientes e fornecidas equitativamente a todas as áreas afetadas, particularmente em países pobres.

Garantir que as vacinas sejam seguras e eficazes exige muitos testes, planejamento e execução cuidadosos. Todos nós somos vulneráveis ao novo coronavírus, com exceção (provavelmente) dos que já contraíram a doença.  Cada pessoa pode precisar de duas doses de uma vacina para receber imunidade protetora, assim serão necessárias cerca de 15 bilhões de doses para que o mundo esteja protegido da COVID-19.

Portanto, são muitos desafios, ainda a ser superados para a chegada efetiva da vacina. Mas, como bom nordestino, vamos compartilhar o pensamento de Ariano Suassuna: “Eu não sou nem otimista, nem pessimista. Os otimistas são ingênuos e os pessimistas, amargos. Eu me considero um realista esperançoso. Sou um homem da esperança. Sonho com o dia em que o sol de Deus vai espalhar justiça pelo mundo todo.”

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